quarta-feira, 5 de outubro de 2022

BONANÇA, 2022, ARTRIO

 

BONANÇA II, 2022

Instalação work in progress nos jardins da Feira Artrio

Série A Joia da Coroa

Painel de gaze de linho com bordados

10 x 2,80 m (comprimento x largura)






Impedida de circular livremente, aprendi a bordar e comecei a série A Joia da Coroa pensando na busca da paz almejada por muitos povos ao redor do mundo como uma possibilidade do cotidiano ser uma inversão utópica da atual realidade massacrante, uma opção de sublimação e reversão de momentos estressantes justificados /estampados nas cores escolhidas, o branco que simboliza a paz e o dourado que corresponde a sonhos dourados a conquistar.

A Instalação work in progress BONANÇA II foi elaborada na sua primeira parte onde se vê o mapa do Brasil, uma bandeira com a palavra PAZ e um  ‘caminho’ bordado em fio de algodão e fio dourado ligando os oceanos, do Atlântico ao Pacífico. Apresentada na exposição ‘A Alegria não é a Prova dos Nove’ na Casa França Brasil, RJ em julho/22,  esse caminho que é conhecido como Caminho do Bem era utilizado pelos indígenas na busca por suas divindades.

Como escreveu Alexandre Sá, curador da exposição na CFB, “Bonança(...) faz parte da série A joia da coroa, que Ivani Pedrosa realiza durante a pandemia como forma de curar-se do quantitativo cavalar de imagens, notícias, tragédias e horrores cotidianos que nos assolaram (e ainda assolam). Para isso, a artista opta pelo branco e por variações pictóricas mínimas, como se fizesse um manifesto íntimo a favor da paz e de novos recomeços. “

Na segunda parte do painel feita especialmente para a ArtRio 2022 a abordagem tem como tema “Setembro Amarelo A VIDA É A MELHOR ESCOLHA”, uma campanha nacional de prevenção contra o suicídio.

Escolhi fazer uma apresentação com outro mapa do Brasil igual ao primeiro, porém de cabeça para baixo e nele bordei uma estatística estética visual separada por Estados, exibindo o número de suicídios de nossos indígenas entre 2001 a 2019. Esta segunda parte do painel, pousada na grama e ficando sujeita às intempéries, o trabalho e seu imaculado branco poderão ser manchados, simbolizando a urgência de cuidados com os nativos.

Na atual situação caótica em que o mundo vive procuro apresentar uma poética de alerta sem traço panfletário, que busca a empatia e a compreensão, bem como o engajamento da sociedade em causas urgentes.

Ivani Pedrosa

Setembro/22


BONANÇA II, 2022

Installation work in progress in the Gardens of the ARTRIO Fair

The Crown Jewel Series

Linen gauze panel with embroidery

10 x 2.80 m (length x width)

Prevented from circulating freely, I learned to embroider and started the A Joia da Coroa series thinking about the search for peace desired by many peoples around the world as a possibility of everyday life being a utopian inversion of the current overwhelming reality, an option for sublimation and reversal of stressful moments justified / stamped in the chosen colors, white that symbolizes peace and gold that corresponds to golden dreams to conquer.

The installation work in progress BONANÇA II was elaborated in its first part where you can see the map of Brazil, a flag with the word PEACE and a 'path' embroidered in cotton thread and gold thread connecting the oceans, from the Atlantic to the Pacific. Presented at the exhibition ‘Alegria não é a Prova dos Nove’ at Casa França Brasil, RJ in July/22, this path that is known as path of good was used by the indigenous people in the search for their deities.

As Alexandre Sá, curator of the exhibition at Casa França Brasil, wrote, “Bonança(...) is part of the series A jewel in the crown, which Ivani Pedrosa performs during the pandemic as a way to heal from the multitude of images, news, tragedies and everyday horrors that plagued us (and still plague us). For this, the artist opts for white and minimal pictorial variations, as if making an intimate manifesto in favor of peace and new beginnings. “

In the second part of the panel, made especially for ArtRio 2022, the theme is “Yellow September, LIFE IS THE BEST CHOICE”, a national suicide prevention campaign.

I chose to make a presentation with another map of Brazil the same as the first one, but upside down and on it I embroidered a visual aesthetic statistic separated by State, showing the number of suicides of our indigenous peoples between 2001 and 2019. This second part of the panel, located on the grass and being subject to the weather, the work and its immaculate white could be stained, symbolizing the urgency of caring for the natives.

In the current chaotic situation in which the world lives, I try to present a poetic alert without a pamphleteer trait, which seeks empathy and understanding, as well as the engagement of society in urgent causes.

Ivani Pedrosa

September/22





BONANÇA, 2022. CASA FRANÇA BRASIL, RJ


Exposição ‘A ALEGRIA NÃO É A PROVA DOS NOVE’ (Ou um arquipélago de singularidades)

Curadoria de Alexandre Sá

CASA FRANÇA BRASIL, RJ

Julho de 2022

 Duas  Obras

- Bonança,  Instalação site specific com interferência espacial

- Bastaaa!!!,  vídeo-arte

 








“BONANÇA”,  2022

Série A Joia da Coroa.

Instalação site specific com interferência espacial

Painel de gaze de linho branco com bordados com fios de lã branca,  fio dourado e pedra dolomita.

Dimensão: 10 m  x  2,80 m (comprimento x largura) com altura de 3,20 m.

 Ocupação d a Sala das Projeções da Casa França Brasil em uma diagonal, conduzindo o visitante a transitar por toda a sua extensão e o direcionando até o vídeo Bastaaa!!!

                                                                        

                                                                           VÍDEO  BASTAAA!!!,  2022



https://www.youtube.com/watch?v=Dh9IjuUljOQ&t=40s

                                                                              VÍDEO  BASTAAA!!!,  2022

Série Descontrole

Duração 2’30”

Edição Aline Chagas

Vídeo-arte criado ao exclamar BASTAAAA após explosão de indignação diante de uma notícia revoltante. Foi a gota d’água! O pote transbordou!

Homenagem aos artistas Chico Buarque e Gilberto Gil.


Texto do  Curador  ALEXANDRE SÁ para a Instalação BONANÇA

Bonança (da série A joia da coroa)

Ivani Pedrosa

Por Alexandre Sá

“Volta então a questão. O que é um estrangeiro? O que seria uma estrangeira? Não é apenas aquele ou aquela no estrangeiro, no exterior da sociedade, da família, da cidade. Não é o outro, o outro inteiro relegado a um fora absoluto e selvagem, bárbaro, pré-cultural ou pré-jurídico, fora e aquém da família, da comunidade, da cidade, da nação ou do Estado. A relação com o estrangeiro é regulada pelo direito, pelo devir-direito da justiça.”

Jacques Derrida
      

 

Por um ato falho dos meus dedos, escrevi Bonanza ao invés de Bonança no começo desta página. Em alguns segundos, pisquei os olhos e pude perceber o tropeço, não necessariamente tão ingênuo assim. Mesmo sem ter assistido, inscrevi como título da exposição de Ivani Pedrosa, o mesmo nome de um seriado americano de muito sucesso. Um faroeste. À despeito da narrativa, me pareceu curioso como ainda há algo em nosso território que é da ordem da posse, do latifúndio, da terra, do agronegócio e dos estrangeirismos. Mas talvez, nada disso interesse a Ivani Pedrosa. Talvez. Puro talvez.  Como acontece nos melhores casos, o trabalho, já estrangeiro, trai a artista e aponta para uma profusão de questões que inicialmente pareciam distantes.

 

Bonança, instalação feita especificamente para a Casa França-Brasil, faz parte da série A joia da coroa, que Ivani Pedrosa realiza durante a pandemia como forma de curar-se do quantitativo cavalar de imagens, notícias, tragédias e horrores cotidianos que nos assolaram (e ainda assolam). Para isso, a artista opta pelo branco e por variações pictóricas mínimas, como se fizesse um manifesto íntimo a favor da paz e de novos recomeços. O jogo duplo que o trabalho inventa é que, como a artista utiliza como referenciais simbólicos o mapa e a bandeira do Brasil, eles terminam, com o branco, perdendo aquilo que talvez estruture seu clichê: a cor. E intensificam, por outro lado, o apagamento inevitável da multitude, como se também guardassem consigo, a palidez histórica. Nesse sentido, o título da série, A joia da coroa, também surge como desaparecimento, indicando que a coroa, num outro jogo entre vilipendiada e vilipendiadora, talvez seja apenas algo de memória que se colocaria como resto para a reafirmação impossível do dispositivo de poder. Trata-se então da construção de uma atmosfera lírica de materialidade épica de um Brasil já cansado e consideravelmente em ruínas, mas que exatamente por isto, considerando seu processo violento e intermitente de recomeço, merece estar pronto, em breve, para outras histórias.

 

TEXTO GERAL DA EXPOSIÇÃO POR ALEXANDRE SÁ

A alegria não é a prova dos nove( ou um arquipélago de singularidades )

... também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, Acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual - José Saramago

Ê bumba-iê-iê boi

Ano que vem, mês que foi

Ê bumba-iê-iê-iê

É a mesma dança, meu boi

Gilberto Gil e Torquato Neto

A alegria não é a prova dos nove é um projeto de ocupação da Casa França-Brasil com curadoria de Alexandre Sá, que não se inscreve como exposição coletiva, no sentido de uma construção ampliada com trabalhos diversos de modo a potencializar questões em comum. Trata-se, de revés, como explícito no subtítulo, de um arquipélago de pontos singulares, excêntricos, capazes de provocar, como indica o dicionário, a construção de um espaço-tempo onde as leis da física entram em colapso. Ou mais concretamente, de um conjunto de exposições individuais de artistas com poéticas díspares que atravessarão o barco do desejo de pensarem seus próprios trabalhos em relação à arquitetura da Casa França-Brasil a partir de um mote determinado: a frase já conhecida de Oswald de Andrade do Manifesto Antropófago, na qual a alegria surge como um sentimento capaz de provar operações elementares ou como prova inquestionável da relação, não necessariamente aditiva, entre eixos. Aqui para nós, a alegria não é passível de tal operação. Talvez ela nem mesmo possa caber em tamanha responsabilidade lógica.

Os tais 100 anos da Semana de Arte Moderna surgem apenas como névoa para que possamos pensar o Brasil, não necessariamente primitivo, mas profundo como um tropeço, como uma epifania, a partir de questões individuais que se colocarão nesse prédio e em sua (nossa) história. O desejo indiciário não é pensar o país estrito e dicotômico dentro de uma talvez já obsoleta cidade partida, mas discorrer em algum silêncio sobre aquele algo do país que ainda murmura, apesar de. Sem desconsiderar tantas histórias e narrativas que por aqui passaram, bem como seus bons fantasmas que talvez conosco, problematizem a velha tensão entre nós e os interesses internacionais.

Exatamente por isso, as ilhas desconhecidas do nosso arquipélago promoverão outras nuvens, sem nenhuma assertividade de precipitação, para que o público, de acordo com sua deambulação física e emocional, vá construindo suas teias de afeto, luto e regeneração.

Exatamente por isso, uma das possíveis chaves que abrirão as portas quânticas que carregamos no peito, é um diálogo com a música Geleia Geral (em seu título emprestado de Décio Pignatari) de Torquato Neto e Gilberto Gil. Este último, buda nagô, precioso aniversariante em 2022 com seus 80 anos, assim como Caetano Veloso, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, nos lembra que “A alegria é a prova dos nove. E a tristeza é teu porto seguro.”

Para nós, aqui, ainda dentro do navio naufragado, talvez seja possível apostar em xeque mate soçobrando que, se a alegria não é a prova dos nove, a tristeza também não é mais o nosso porto seguro. A questão que evola-se é reconstruir alguma maturidade outra para que desconfiemos um pouco dos portos, das âncoras, dos reis, das nossas certezas e de nós mesmxs. Para que pensemos uma rota outra de navegação coletiva, conscientemente frágil da fragilidade que implica em sabermos que antropofagia é o norte fundamental para toda e qualquer relação que sobrevive em nós e que não merecer ser obrigatoriamente violenta. Marulho.

Alexandre Sá